Segunda-feira, 31 de Outubro de 2005
Ganhei(perdi) meu dia.
E baixa a coisa fria
também chamada noite, e o frio ao frio
em bruma se entrelaça, num suspiro.
E me pergunto e me respiro
na fuga deste dia que era mil
para mim que esperava,
os grandes sóis violentos, me sentia
tão rico deste dia
e lá se foi secreto, ao serro frio.
Perdi minha alma à flor do dia ou já perdera
bem antes sua vaga pedraria?
Mas quando me perdi, se estou perdido,
antes de haver nascido
e me nasci votado à perda
de frutos que não tenho nem colhia?
gastei meu dia. Nele me perdi.
De tantas perdas uma clara via
por certo se abriria
de mim a mim,e sela fria.
As árvores lá fora se meditam.
O inverno é quente em mim, que o estou berçando,
e em mim vai derretendo
este torrão de sal que está chorando.
Ah, chega de lamento e versos ditos
ao ouvido de alguém sem rosto e sem justiça,
ao ouvido do muro,
ao liso ouvido gotejante
de uma piscina que não sabe o tempo, e fia
seu tapete de água, distraida.
E vou me recolher
ao cofre de fantasmas, que a noticia
de perdidos lá não chegue nem açule
os olhos policiais do amor-vigia.
Não me procurem que me perdi eu mesmo
como homens se matam, e as enguias
à loca se recolhem, na água fria.
Dia,
espelho de projecto não vivido,
e contudo viver era tão flamas
na promessa dos deuses; e é tão rispido
em meio aos oratórios já vazios
em que a alma barroca tenta confortar-se
mas só vislumbra o frio noutro frio.
(...)
E sou meu próprio frio que me fecho
longe do amor desabitado e líquido,
amor em que me amaram, me feriram
sete vezes por dia em sete dias
de sete vidas de ouro,
amor, fonte de eterno frio,
minha pena deserta, ao fim de março,
amor, quem contaria?
E já não sei se é jogo ou poesia.
Carlos Drummond de Andrade
De Anónimo a 2 de Novembro de 2005 às 17:10
Por vezes perdemo-nos e já nem sabemos se defacto sentimos, ou apenas imaginamos...Bjsalfa69
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